Um Vaqueiro no Seminário


Quero escrever pra vocês
o que ouvi dos meus pais,
contaram-me uma história
Achei bonita demais
foi na era de cinquentinha
Já beirando a de sessenta
a meio século atrás.

Um coronel conhecido 
Rico, criador de gado
era pai de cinco filhos
E queria vê-los formados,
ele não sabia ler
e nem também escrever,
pois nunca tinha estudado.

Esse Brasil sem estudo
não sabe o que já perdeu
O coronel nasceu pobre,
por isso não aprendeu
a dominar a leitura
sua grande formatura
foi o crânio que Deus lhe deu.

Recebendo a produção 
da gente trabalhadora
quando estava pesando
os produtos da lavoura
causava admiração
somava com precisão
igual a calculadora.

Um dia disse a mulher:
- Vou fazê economia,
vou ajudá a meus fio
E eu tem fé em Deus qui um dia
vão ficá tudo dotô,
ingenhero, professô
vâo mim dá muita alegria.

Dificilmente acontece
como agente planeja
a vida é um mistério,
uma saga, uma peleja,
com flores ou com espinhos
cada um segue o caminho
que escolheu ou que deseja.

A escola não foi o forte
dos filhos do coronel
não teve doutor formado,
nem padre, nem bacharel,
Mas um entrou na história
dos folhetos da memória
foi o seu filho Joel.

E o velho distribuiu 
um filho em cada lugar:
Heleno no Pernanbuco,
Geraldo no Ceará
Tota vai pro Piauí,
Joé num pode saí,
Daciano no Pará.

Joé é homi da lida
num precisa de estudá,
já nasceu sabendo tudo
num tem do que se quexá
Vai vivê nessas quebrada
no nó de sua laçada
tenho gosto de puxá.

Sua esposa Felisbela
começou logo a chorar,
o coronel percebeu
E ligeiro foi perguntar
O que estava acontecendo 
E ela foi respondendo:
- Joel tem que estudar

Meu filho vai ser um padre,
disse beijando o rosário:
- Vivi a vida sonhando
que ele seria vigário...
E logo no outro dia 
O Joel sem alegria
viajou pro seminário.

O tempo no internato
demorava a passar,
Joel lembrava do gado
no roçado a pastar...
do açude, do bebedouro,
e da castanha do touro,
e da corda de laçar...

Na vida do seminário 
de leitura e oração
Joel não se concentrava
pensava no alazão,
na espora e no chicote,
bezerro dando pinote,
vaca comendo ração...

Os padres davam as aulas 
sobre o mundo cristão:
falavam do rei Daví,
na Bíblia, em Salomão
E Joel ali sentado
com o pensamento voltado
pra perneira do gibão...

Um dia o padre João
estava lecionando,
era ao entardecer
e ele estava falando
das plantas tão naturais
citou alguns animais
e a aula foi acabando

Quando notou que Joel 
baixinho estava aboiando,
chamando o nome das reses
e o abolo aumentando.
A turma ficou parada,
disparou numa risada
e Joel continuando.

Passou mais de doze horas
aboiando sem parar
O padre João se cansou
de pedir e de rogar
A turma chorou e riu,
Até o bispo pediu
e ele rouco de aboiar...

Nessa hora apareceu 
o alegre coronel
parou o carro de boi 
E perguntou por Joel.
O padre João comovido
Disse muito agradecido:
- Obrigado Deus do céu.

Não sei o que aconteceu,
Joel mudou de repente
com os dedos nos ouvidos
Não atende mais a gente,
la mandar um portador
avisar ao senhor
pra saber o que ele sente...

O vigário aperreado
Disse coçando a cabeça:
- Seu Zéfaça alguma coisa
antes que eu enlouqueça
o pobre menino
faz zoada igual ao sino
Pode ser que ele obedeça...

- Eu já sabia de tudo
acabe esse disispero
o gado me avisou,
hoje cedo no terrero
isso aí a cuipa é dela
bextera de Filisbela
esse menino é vaquero.

Quando ele nasceu os dente,
montava mió qui eu
pra laçá só teno ele,
nunca um laço perdeu
e pra derrubá baibatão
iguá a ele padre João
no sertão nunca nasceu.

Vamo pra casa Joé
Óqui seu chapé de couro
vá tirá leite das vaca
e butpa ração pu touro
e seu cavalo melado 
já está pronto, selado
Ande! vamo meu tesôro!

Joel parou de aboiar
e recebeu o chapéu
Disse: - Desculpe meu pai
eu sei que não fui fiel,
mas na minha oração
vou incluir padre João
e nós vamos os dois pro céu.

FIM
Tags: